Arquivo da tag: ponte alta do tocantins

Cachoeira do Sussuapara, uma fenda na natureza

(por: Cleber Medeiros)

                           Acordamos cedo para verificar os suprimentos e equipamentos que seriam nossos companheiros de viagem até o deserto do Jalapão.

                          Nesta viagem estariam além de mim, o meu filho caçula e o principal colunista do FotoStrada, Rodolpho Assenço.

                          Enquanto aguardávamos a pickup com tração integral, que atrasou um pouco, aproveitamos as comodidades da pousada Águas do Jalapão, dos irmãos João e Nilton Roverssi. Meu filho Danilo, de 8 anos, se refrescou rapidamente na piscina e em seguida juntou os brinquedos que julgava necessários durante a jornada.

                         A 4×4 chegou enfim e partimos por uma estrada de chão a princípio razoável – lembro-me que neste momento o Rodolpho chegou a questionar a informação de que simples carros de passeio não conseguiam chegar as dunas – mas ao longo da viagem encontramos um solo irregular e cheio de pedras grandes que mais parecia uma superfície lunar, intransponível para mortais rodas de aro 14 e veículos com tração dianteira.

                        Após uns 30 minutos de uma viagem estimada em cerca de 3,5 horas até as dunas, nosso guia Adail perguntou se gostaríamos de parar e visitar a Cachoeira do Sussuapara.

placa_da_cachoeira_sussuapara

                            Pesquisando a respeito do nome da cachoeira, descobri que Sussuapara, além do nome do rio é o nome de uma espécie de veado da região e de uma cidade no Piauí.

                                   Consentimos com a parada e descemos por uma trilha sem maiores indícios de surpresas, tudo parecia comum e até um tanto árido inicialmente.

fenda_sussuapara

                             Logo percebemos que a frente havia algo inusitado, um paredão rochoso e oblíquo, recoberto de musgos e respingos incessantes de água, como se chovesse dentro da mata!

a_agua_e_a_rochacannion_de_sussuapara

                          A partir dali as copas das árvores já cobriam todo o céu e percebemos que estávamos dentro de um cânion estreito por onde passava um córrego bem raso.

paredao_de_sussuapara

                          Continuamos até uma área mais aberta, um grande salão onde feixes de luz solar atravessavam as copas das árvores e pintavam a cena com intensidades complicadas para medir a luz de forma equilibrada em toda a foto. Pela primeira vez senti necessidade de fazer várias fotos para aplicar a técnica do HDRi*, mas não saímos do carro com o tripé, o que – além do fator tempo – nos fez optar por escolher zonas de luz e fotografar sem maiores pretensões artísticas, nos limitando a fazer registros rápidos.

caverna_de_sussuapara diferença_de_intensidade_de_luz

                              Meu filho brincava, estendendo os braços e sentindo o chuvisco atingir seu rosto. Aproveitamos e fizemos algumas fotos com ele para que os leitores pudessem ter uma idéia das proporções do cenário e também da diferença entre as luzes da cena.

                              Mais a frente havia um poço aparentemente raso e uma fenda mais alta entre as rochas, por onde caía a água que deu origem a cachoeira.

cachoeira_de_sussuaparafenda_em_sussuapara

                           Nos entreolhamos e naquele momento evitamos comentar, mas a formação se assemelhava a uma genitália feminina.

detalhe_da_fenda

                               No caminho de volta a caminhonete, me passou pela cabeça que muitas vezes damos pouca importância a um livro, julgando-o por sua capa e deixamos de conhecer um mundo de belezas e possibilidades que podem se seconder atrás de uma discreta fenda, neste caso incrustrada na natureza. 

                               *High Dynamic Range Image, é uma técnica que consiste – a grosso modo – na sobreposição de imagens da mesma cena com exposições diferentes a luz. Os tons altos (partes mais claras) são suprimidos e os tons médios são preservados e depois ajustados em brilho e contraste, permitindo ao expectador observar uma gama de tons impressionante, sem predominância de partes com excessos ou ausência de luz.

A Estrada para Mateiros

(por: José Rodolpho Assenço)                      

                         Em excursão pelo Tocantins, saímos de Palmas – a bela e jovem capital do estado – eu, Cleber e Danilo, por volta das 15 horas, com destino a Ponte Alta do Tocantins, com a intenção de, no dia seguinte, seguir-mos para o deserto do Jalapão.  Desavisadamente seguimos à Porto Nacional, trajeto que ampliou nossa viagem para aproximadamente duzentos quilômetros, sendo que existe uma nova estrada que economizaria 50 quilômetros no trajeto.

                        Passamos por Monte do Carmo, cidade histórica da então Comarca do Norte de Goiás, com mais de 270 anos, lugar onde o tempo parece não ter caminhado.  Fizemos em Carmo, rapidamente, uma visita até a  praça principal e a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e seguimos por mais 90 quilômetros, chegando a Ponte Alta ainda antes do anoitecer.

ponte_alta_do_tocantins

                        Como disse anteriormente, o intuito dessa excursão era seguir para o Jalapão e realizar um safári fotográfico. Assim sendo, logo que chegamos em Ponte Alta, tratamos de nos alojar na confortável Pousada Águas do Jalapão, onde fomos muito bem recebidos pelo proprietário, que já era amigo do Cleber, de uma outra ocasião.

                        Em Ponte Alta do Tocantins, ainda naquela noite, jantamos e conseguimos contratar um condutor para o trajeto do dia seguinte com uma caminhonete com tração nas quatro rodas.  A estrada TO 255 que atravessa Tocantins de leste a oeste, prossegue até Mateiros (aproximadamente 150 quilômetros),  próximo ao Jalapão e a fronteira desse estado com a Bahia.

inicio_da_estrada

                        Busquei antes da aventura toda literatura que me foi possível encontrar sobre o trajeto, e tudo me indicava a impossibilidade ou a irresponsabilidade de prosseguir a partir de Ponte Alta em carro de passeio.

                        Sendo assim contrato firmado com o condutor, tivemos ainda os cuidados de comprar alguns sanduíches de queijo e presunto e diversas garrafas de água mineral, levando em consideração que 140 quilometros em terra tão ruim poderia demorar muito.

                        Pela manhã preparamos os equipamentos fotográficos e partimos de Ponte Alta com destino ao Jalapão.  No veículo viajamos eu, Cleber, Danilo (filho deste e nosso mascote na excursão) e o nosso motorista e guia Adail, que na saída já nos fez uma previsão de três horas e meia até o Jalapão.

corrego_na_to255 to_255

                        Adail que é natural de Ponte Alta, foi criado nessa região e conhece bem todas as estradas.

                        Logo na saída comecei a lhe questionar sobre o percurso e a estrada.  Ele disse que ultimamente a estrada vem piorando bastante e teme  que até o período das águas venha a ficar intransitável.

                        Contou também que tem feito esse percurso por quatro anos em caminhonete traçada e ainda que no mês de julho faz viagens quase diariamente, normalmente com duração de dois a três dias, dormindo em Mateiros.

                        Consultado sobre a possibilidade de se passar na TO 255 com veiculo leve de passeio, foi categórico em dizer que era praticamente impossível e os poucos que tentavam tal feito sempre voltavam com os veículos danificados.  Prosseguíamos a viagem em uma camionete L200 com tração e com reduzida, alem de pneus lameiros.

                        Confesso que estava incrédulo no tocante as dificuldades do percurso pois me gabava até aquele momento de ser bom motorista em trilhas e estradas de terra.

                        Os primeiros 30 quilômetros percorremos bem e rapidamente por estradas típicas de interior, com diversas fazendas ao redor, provavelmente de moradores de Ponte Alta.  Num dado momento a estrada piorou bastante e começaram a surgir alguns atoleiros de areia fofa e buracos incessantes – a caminhonete sacudia bastante -, quando Cleber observou a impossibilidade de se chegar de carro àquele trecho da estrada.

atoleiros_na_to255vista_da_serra_da_muriçoca

                        Ainda assim, discordei argumentando que seria possível em veiculo leve.

                        Já estávamos à 60 quilômetros de Ponte Alta, de onde  avistávamos a Serra da Muriçoca, a partir desse ponto a estrada quase acabou, chegávamos ao pior trecho e por fim dei o braço a torcer de que não passaria por ali em veiculo de passeio.

perigos_na_serra_da_muriçoca serra_da_muriçoca

                        Prosseguimos até aproximadamente 140 quilômetros de Ponte Alta, quando adentramos no parque do Jalapão.   Permanecemos no deserto até o sol sumir no horizonte e voltamos até a caminhonete com muita pressa, pois neste momento enfrentávamos uma infestação comum na região, as temidas Mutucas.

serra_do_espirito_santo chegando_no_jalapao

                        A Mutuca não é um mosquito e sim uma mosca da mesma família da africana Tzé tzé, que lá contagia com a doença do sono.  Doença essa que atinge o sistema nervoso central e não tendo tratamento adequado a tempo, o enfermo começa a dormir por muitas horas levando a óbito.

                        A Mutuca da região central do Brasil, por sua vez, dá uma picada dolorosa, que normalmente provoca inflamação e até infecção, causando ruborização do local atingido e feridas.

                        Saímos por volta das 19 horas do Jalapão e novamente na estrada percebemos que havíamos tomado praticamente todas as garrafas de água disponível, restando apenas uma que reservamos para o Danilo, de apenas oito anos.

bar_no_jalapao

                        Pouco antes das 20 horas, perto de descer a Serra da Muriçoca, Adail parou a caminhonete com os faróis ligados as margens do Córrego Assa Gordo, onde desceu e encheu algumas garrafas com água da qual nos utilizamos para matar imediatamente nossa sede.  Comentou Adail que a água desse córrego é límpida e cristalina não tendo nenhuma casa ou fazenda na região que venha a provocar poluição.  Contou ainda que o nome do Córrego Assa Gordo advém das caravanas de boiadeiros que ali passavam e pousavam para descansar, buscar água e assavam carne de porco durante a estada.

                        Chegamos a Ponte Alta próximo das 22 horas. Estávamos completamente  exaustos, tanto pelos solavancos da estrada, como também pela caminhada nas areias do deserto.

                        Enfim o conforto da pousada nos permitiria descansar para seguir viagem no dia seguinte…