(por: José Rodolpho Assenço)
A Chapada é uma comunidade rural situada no final de Minas Gerais, que tem gosto, cheiro e sabor especial de terra molhada e capim novo, e de veredas límpidas.
Tive oportunamente de conhecer esse longínquo rincão de terra de gente alegre, hospitaleira e divertida, de um sertão profundo, tão profundo que não se consegue nem lembrar de perto alguma vila ou povoado. Terra da água nascente, dos olhos d`águas, de seus divisores, prolongamento de serras.
Local onde a vista se perde na imensidão do cerrado que, de vez em quando, em seus locais mais altos, é possível avistar, nos dias mais claros, a Serra dos Cristais em Goiás (Cristalina).
Minhas visitas a esse sertão aguçaram a curiosidade de conhecer um pouco mais, provocando a releitura dos livros históricos dos antigos viajantes e de um de Flávio Antonio Neiva: “Sertão, Chapada e Vão”, do qual transcrevo alguns trechos interessantes:
“Está procurando o sertão? Pois é aqui mesmo, o senhor está nele! Nessa sua caminhada, ele não estará pra frente nem ficou pra trás. Aqui é certinho ele” .
“Aqui não é um pedaço de chão de outro sertão, de outras terras distantes que o senhor pode até estar imaginando. Estou no sentido de dizer que está mais fácil qualquer outro lugar ser um pedaço ou uma franja daqui.”
Diz ainda o autor e os moradores de lá que o sertão traz uma paz única e quem vem uma vez voltará sempre.
“O sertão pega a gente de uma forma e de um jeito que somente um rabo de saia consegue semelhante proeza. Você faz que não, ele adula. Vira e mexe, ele aconchega. Você vai e, acordado, ele o espera na volta. É um trem!”
“Você pega, bambeia o pescoço e olha pra todos os lados. Assunta. Escolhe um deles e anda. Assim, sem miséria. Com pouco você pega e para. Torna a assuntar. Deu vontade de voltar? Pode parar a caminhada! Você estava nele! Não deu vontade? Pode seguir que você nele ainda está.”
E foi nessa toada que já retornei diversas vezes à Chapada, para um churrasco, para jogar conversa fora, para caminhar no cerrado ou simplesmente por ir.
Logo que se segue em uma estrada de terra e se embrenha nesse rincão, passagem obrigatória é a rodoviária, como é conhecida a casa de Sr. Chico, por estar em um entroncamento de pequenas vias vicinais e trilhas vindas das demais fazendas da região. É o local onde todos esperam uma carona para a cidade.
Local de parada obrigatória, onde se toma um café forte e conversa-se uma prosa com Chico.
Existem ainda algumas mangueiras frondosas à frente, onde, no pé de uma, um singelo banco, registra-se o local de espera dos viajantes.
Anexo à casa de Chico, passa um rego e nascente d`água e,
logo a seu lado, uma peculiar casa de forno, ou casa de pão com diversos fornos a lenha.
Bem próxima a esse local está a pequena Igreja de São Benedito, da qual Chico é o guardião, local onde é realizada a missa sempre no terceiro sábado do mês, data na qual o padre vem da cidade para esse feito atender as comunidades do sertão.
Duas estradas sobem da rodoviária, uma segue para a fazenda de Sonia, atravessando um local de muita água, córregos e uma nascente belíssima.
A outra segue por um capão passando pela chácara Grilo na Sombra, local de parada obrigatória para se tomar “uma gelada” e ouvir as prosas de Carlinhos.
Dizem na região que ele lê mãos, adivinha a sorte, e cura os enfermos. O certo é que ele tem uma conversa bastante engraçada.
Para o outro lado, segue-se para Cezinha. Nesse local, há também fartura de nascentes límpidas, piscinas, tudo muito agradável de ver.
Em minhas últimas estadas, acompanhado de Nayara, que é filha da região, tive o prazer de participar de festas, eventos e confraternizações e de fazer novas amizades.
“A morte aqui, se quiser chegar até que chega. Mas, chega matreira e calada, porque a vida grita e canta o dia inteiro e noite inteira, sem dó nem preguiça.”
Uma trágica história aconteceu no ano de 1980, na Chapada, na fazenda de Círio Fernandes (avô de Nayara).
No dia 20 de setembro do referido ano, Dona Nilda, esposa de Círio, teria ido visitar um curandeiro da região e este teria alertado para que tivesse muito cuidado com chuvas e as tempestades daquele ano.
Dona Nilda, emocionada com a conversa que teve com o referido senhor, sofreu dias afio, sempre dizendo que estava com medo de morrer diante do alerta recebido.
Passado um mês, já mais calma, armou-se, no entanto, uma grande tempestade na região, com muitos ventos e o céu muito escuro. Dona Nilda, após seus afazeres na roça, e vendo a situação climática, recolheu-se a sua casa, e começou a cozinhar algo para o jantar.
A tempestade caia e o inesperado aconteceu. Dona Nilda foi atingida por uma descarga elétrica, mesmo dentro de sua casa, e veio a falecer. Diversas outras histórias são contadas.
Ressalte-se, finalmente, que tentei registrar, em relatos e imagens, o que para todos eles representa o centro do sertão.
Fonte: Neiva, Flavio Antônio – Sertão, chapada e vão; 2006; Academia de Letras Noroeste de Minas