(por: José Rodolpho Assenço)
Minha visita a Porto Calvo, em Alagoas, não tinha, a princípio, o objetivo de conhecer a história de Calabar. Cheguei à simpática cidade, situada no topo de uma colina — a exemplo do que ocorre com diversas outras cidades do nordeste brasileiro — com o intuito de fotografar e conhecer a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, fundada em 1610.
Pois bem, tão logo entrei nessa cidade, fui interpelado tanto na Igreja — pelos funcionários — bem como por alguns cidadãos de lá, todos me perguntando se eu já havia visitado o Memorial de Calabar. O nome não me soou estranho, sabia que se tratava de um personagem histórico, mas confesso que não me lembrava de sua importância ou do episódio no qual ele teria participado.
Findando os trabalhos na Igreja Matriz, segui em direção à segunda colina de onde compõe o hospital de Porto Calvo, muito bem montado em edificação bastante elegante que remete ao século XIX. Lá se encontrava também um mirante de onde se tem a vista de boa parte da cidade, da planície e das colinas que a cercam.
Nesse local, encontra-se o Memorial Calabar, composto de partes da história: estátuas que representam a prisão e sua execução quando garroteado.
Continuava sem lembrar dos fatos passados até o momento da verdadeira história que cercava tudo aquilo que admirava naquele momento. Foi quando, avistando logo defronte ao mirante e bem ao lado do hospital, uma bela lanchonete e um café, para lá me dirigi, oportunidade em que perguntei a dona do estabelecimento sobre Calabar. Ela, inicialmente, desconversou como quem não quisesse se meter nesse assunto e, por fim, me disse, para finalizar a conversa, que não conhecia coisa alguma do assunto, sob a alegação de que naquela época ela ainda não tinha nascido.
Sentei a uma mesa daquele café, imbuído, a essa altura, da curiosidade de obter alguma informação sobre tal matéria. Imediatamente, iniciei pesquisa na internet sobre Calabar. Lembrei que era um personagem importante e que tem uma intrigante participação histórica.
Consultados os fatos históricos, vi que Domingos Fernandes Calabar, nascido em Porto Calvo por volta de 1600, filho de Ângela Álvares, era um mulato, por algum classificado como mameluco, filho de branco com índia; filho bastardo de pai português foi batizado na fé católica em 1610; estudara com os jesuítas e posteriormente foi estudar em Olinda. Exímio conhecedor de todo território da então Província de Pernambuco, fez fortuna com o comércio e o contrabando, tornando-se senhor de terras e engenhos. Conhecido em toda região como homem de grande conhecimento e de muitas habilidades, Calabar fez juramento e veio a incorporar às tropas de defesas portuguesas em 1630, porém — por razões múltiplas e não totalmente compreendidas, das quais podem estar envolvidas ambições no tocante a aumentar ainda mais sua fortuna — por convicção de outro ideal ou por achar que os holandeses trariam maiores benefícios ao Brasil, em abril de 1632, mudou de lado, sendo o primeiro pernambucano a desertar para os neerlandeses.
O Fato é que Calabar foi o melhor aliado que os Holandeses poderiam encontrar no Brasil. Sagaz, ativo, conquistador e principalmente exímio conhecedor de quase toda a costa nordestina.
A partir desse momento, as vitórias holandesas tiveram uma progressão rápida chegando a dominar desde a costa do norte da Bahia até o Rio Grande do Norte.
Por fim, em uma emboscada preparada pelo brasileiro Sebastião Souto que, confundindo o comandante holandês, conseguiu mudar o rumo dessa primeira batalha, culminando com a prisão do comandante holandês, bem como de Calabar.
Sentenciado à morte, Calabar foi enforcado por garroteamento e seu corpo esquartejado e colocado em diversas partes da vila de Porto Calvo para dar exemplo aos demais simpatizantes.
Diversos autores escrevem sobre Calabar. Há uma demonstração forte de que ele não era traidor e que sua mudança de lado decorreu de razões ideológicas, como se pode observar na carta que deixou para Mathias de Albuquerque, governador da Província, onde relatou:“ Depois de ter derramado meu sangue pela causa da escravidão que é a que vós defendei passo para esse campo com patriota porque vejo que os holandeses procuram implantar a liberdade no Brasil enquanto os portugueses e espanhóis cada vez mais escravizam o meu país”.
Sendo mestiço e perseguido como tal, Calabar não se sentia como português, e sim como brasileiro. Buscava, a seu modo, acredito, o melhor caminho para o futuro do país. Vejamos esta declaração: “Como homem, tenho direito de derramar meu sangue pelo ideal que quiser escolher, como soldado, tenho o direito de quebrar o juramento que prestei enganado”
Após essa rápida pincelada histórica, iniciei minhas fotos do local, do mirante, das estátuas, captando as passagens, jardins e a vista que tal mirante proporciona.
Conversei também com algumas pessoas e até com um jovem que já havia trabalhado recepcionando turistas e colégios ao local, fato que me confundiu ainda mais minha concepção sobre tal figura.
O certo é que os moradores daquela cidade, mesmo tendo algum sentimento de que ele teria sido um traidor, tem uma grande admiração e respeito pela figura de Calabar. Orgulham-se de ser Porto Calvo a cidade de nascimento e morte de tal importante figura, possivelmente por ter sido um precursor de liberdade de nosso povo.
Após o rápido estudo histórico e algumas conversas locais parei para meditar, por fim, saí da bela Porto Calvo compartilhando da mesma admiração que têm os habitantes daquela cidade por esse insurgente.